O Caçador de Pipas

Ela disse: “Estou com tanto medo…” E eu perguntei: “Por quê?” Aí, ela respondeu: “Porque estou me sentindo profundamente feliz. E uma felicidade assim é assustadora.” Voltei a perguntar por quê, e ela prosseguiu: “Só permitem que alguém seja assim tão feliz se estão se preparando para lhe tirar algo”

                                                                                                do livro: O caçador de Pipas




Cartas para Marília

Filha, você é poesia até no olhar, meu bem. Te pergunto como está o tempo e você me diz que o Sol se vestiu de Lua e que o vento insiste em chamar as árvores para dançar.

Escroto

Você morreu várias vezes e me matou, também.

Seguidores

Obrigado pelas inúmeras visitas seguidores. Peço desculpas por um lugar, aqui ou acolá, empoeirados, mas faz tempo que o meu peito não recebe visitas.

Choro

Pai, confesso que nesses últimos dias eu não estou tendo forças para nada! Ontem mesmo uma senhora me abraçou na porta de uma escola pedindo comida e eu segurei o choro. Não sei se foi o Senhor que a enviou para me consolar de alguma forma, mas desde de já te agradeço. Te agradeço pelo pão, pelo ar e por se encontrar presente mesmo quando todos insistem em ir embora. Humildemente te peço para aprofundar a minha fé, Senhor. Os dias são difíceis, doloridos e desgastantes. Mas creio que assim como o Senhor venceu o mundo, eu também vencerei.

Dor

Dor é assim mesmo. Arde, depois passa. Aliás, a vida é assim: arde, depois passa. A gente acha que não vai aguentar, mas aguenta. Pense assim: agora tá insuportável, agora você queria abrir o zíper, sair do corpo, virar um paralelepípedo ou qualquer outra coisa inanimada, anestesiada, silenciosa. Mas agora já passou. Agora já passou dez segundos depois da frase passada. Sua dor já é dez segundos menor do que duas linhas atrás. Você acha que não, porque esperar a dor passar é como olhar um transatlântico no horizonte estando na praia. Ele parece parado, mas aí você desvia o olho, toma um picolé, lê uma revista, dá um pulo no mar e quando vai ver o barco já tá longe. A sua dor agora, essa fogueira na sua barriga, essa sensação de que pegaram sua traqueia e seu estômago e torceram como uma toalha molhada, isso tudo - é difícil de acreditar, eu sei - vai virar só uma memória, um pequeno ponto negro diluído num mar imenso de memórias. Levante-se daí Paulo. Vá tomar um sorvete, ler uma revista, dar um pulo no mar. Quando você for ver, passou.

Encontros e Despedidas

Vidas. Vai e vem como estação de trem. Eles foram e um dia eu irei também. É um fato constatado, válido. Nós não são laços. Palavras não são compromissos. Já foi dito. Borracha nem tudo apaga. As vezes ela se esbarra no lápis e começa outra história. Memória? Sim, claro, com certeza. Memória é como aquela velha gaveta. Onde se encontra aquela antiga carta com aqueles antigos sentimentos, pensamentos. Sempre? Ficou para trás. O sempre saiu da boca daquele menina de cabelos cacheados que hoje em minha vida não se encontra mais. Pegou o trem e foi fazer, viver uma nova história. Uma linda história. E assim chegar e partir.

São só dois lados da mesma viagem, o trem que chega é o mesmo trem da partida.




Cicatrizes

As pessoas possuem cicatrizes. Em todos os tipos de lugares inesperados. Como mapas secretos de suas historias pessoais. Diagramas de suas velhas feridas. A maioria de nossas feridas pode sarar, deixando nada além de uma cicatriz. Mas algumas não curam. Algumas feridas podemos carregar conosco a todos os lugares, e embora o corte já não esteja mais presente há muito, a dor ainda permanece.