Mossoró

 


Eu estava saindo de um estacionamento da escola quando ele me abordou, falando alguma coisa que eu não consegui entender. 

— Oi? Não entendi. 

— Perguntei se o senhor tem um trocado que me arranje. — Ele falava de uma forma meia envergonhada, com medo de se aproximar. 

— Oh amigo, dinheiro, eu não tenho, mas tenho umas águas minerais e umas roupas aqui na mala do carro. Não sei se você aceita! 

— Aceito demais. Tô morrendo de sede. E de roupa, só estou com essa do corpo. 

José Edvan Fernandes, 54 anos, analfabeto, nasceu em Iracema, no Ceará. Veio morar em São Paulo aos 25 anos, em busca de uma vida melhor e mais oportunidade de emprego. A trajetória aqui não teve muito sucesso e ele acabou entrando no mundo das drogas. Morava com sua mãe, que faleceu há um ano e meio. Tem uma irmã aqui na cidade também. 

— Minha mãe me acolhia. Ela me abraçava, senhor. Eu me drogava, mas ela não me abandonava. Minha mãe morreu e foi como tivessem cortado as minhas pernas. — Nessa hora, ele chorou copiosamente na minha frente, um estranho que o tinha conhecido há pouco mais de 10 minutos. — Eu sinto muita saudade da minha mãe. Quando ela morreu, de um câncer, eu fui pra rua. Nunca mais tive casa. Durmo ali na lateral da igreja Perpétuo Socorro, próximo do Nonato Atacarejo. A senhora sabe aonde fica? –

Eu estava me sentindo muito triste e angustiado vendo e ouvindo Edvan. Eu também estava com muita vontade de chorar. 

— Sei sim, conheço aquela igreja. Passo todas as manhãs por ela.

— Pronto, se a senhor passar lá todas as noites, depois das sete, oito horas, vai ver uma pessoa coberta por papelão. Só a senhor procurar por "Zé Ramalho", que é como todo mundo me conhece. Por causa desse meu nariz aqui. — Ele enxugava as lágrimas que desciam sem nem ele sentir. 

— Edvan, eu posso te arranjar um lençol, umas roupas e uns produtos de higiene. Passo lá para deixar. Mas me fale, como você entrou para as drogas? 

— Eu era junto com uma mulher por 14 anos. Ela me meteu "galha". Eu nunca imaginei que ela pudesse fazer isso. Aí, provei uma vez e fiquei provando. O que eu mais quero na vida é sair dessa vida. Já fui até para uma clínica para fazer tratamento, uma fazenda, mas não queriam me tratar não, queriam um empregado. Sair de lá sem nem avisar. 

Eu via muita verdade na sua vontade de mudança. Eu apenas o escutava. Ele queria falar. 

— Eu sou um lixo humano. 

— De jeito nenhum, não fale isso, homem. Você está aqui, ó, conversando comigo. 

— O senhor é uma coisa rara de ver. Eu tô cheio de ferida, tô sujo, faz 3 dias que eu não tomo banho. As pessoas se afastam de mim. Eu só queria a minha mãe perto de mim. 

Confesso que esse foi um dos mais tristes encontros que tive. Contive o choro por toda a nossa conversa. 

— Sabe porque eu ainda acredito em Deus? — Ele me perguntou levantando o chapéu de aba colorida, que o protegia do sol forte. — Fiz que “não”, com a cabeça. — Porque eu já levei facada na rua, já vivi coisa que o senhor nem imagina, e ainda estou aqui. Deus existe. 

— Edvan, posso escrever sobre a sua história? Tem pessoas que sempre ajudam. 

— Quero que o senhor escreva. E olhe, nem quero dinheiro, porque senão, posso comprar droga, quero alguém que me ajude com um tratamento. Pode escrever sobre o " Zé Ramalho" de Mossoró. 

Deixei um velho lençol e outras coisas com ele, mas confesso que só consegui escrever esse texto alguns dias depois do nosso encontro.